A gestão do Doutor Pessoa (Republicanos) é desses enigmas dignos de estudo nas mais avançadas instituições de Administração. Ou, talvez, apenas digna de investigação de polícia mesmo. Num caso que talvez seja inédito – mas que é no mínimo inusitado! – uma empresa em situação financeira “delicada” está conseguindo aumentar a quantidade de contratos (e o valor deles) dentro da Prefeitura de Teresina e, ao mesmo tempo, colocou a gestão municipal na Justiça para receber pagamentos.
Como assim?
Neste exato momento, a SERVFAZ SERVIÇOS DE MÃO DE OBRA LTDA, pede na Justiça que a gestão de Doutor Pessoa lhe faça pagamentos sem que ela possua Certidão Negativa de Débitos (CND) junto à Receita Federal. Agora o desafio para os especialistas: entender como uma empresa correndo sério risco de falência firma renovações de contratos com a Prefeitura e recebe pagamentos sem as certidões ou decisões judiciais que lhe garantam o recebimento.
AUMENTO NO NÚMERO DE CONTRATOS
Em novembro de 2020, a SERVFAZ mantinha com a Prefeitura de Teresina 21 contratos de prestação de serviços terceirizados. Esses contratos somavam mais de R$ 110 milhões de reais. Todos eles tinham previsão de encerramento ainda em 2020 ou, no máximo, 2021. Mesmo os últimos assinados pelo ex-prefeito Firmino Filho (PSDB).
Após Doutor Pessoa (Republicanos) ter sentado na cadeira de prefeito de Teresina, os contratos foram renovados com valor maior. Alguns foram esticados para quase 8 anos, quando, a regra seria uma vigência máxima de 5 anos.
E novas adesões beneficiaram a empresa de Daniela Roberta Duarte da Cunha, sócia majoritária da SERVFAZ.
Para se ter uma ideia, numa rara exceção à regra de adesões e renovações da gestão de Pessoa, a Fundação Municipal de Saúde realizou em 2021 uma licitação dividida em dois lotes, para substituir um contrato assinado com a SERVFAZ em 2015, que havia expirado.
A SERVFAZ venceu um dos lotes, com um valor R$ 10 milhões maior que o anterior. O outro lote, que a SERVFAZ não venceu, foi anulado. E, por algum motivo que não sorte ou coincidência, a FMS firmou com a SERVFAZ um contrato emergencial, num valor de quase R$ 15 milhões por 180 dias de serviço, para cobrir essa necessidade. Até a data de publicação desta matéria, já passados os 6 primeiros meses de contrato emergencial, o lote anulado não foi relançado.
Não é o único contrato assinado, aliás, que distorce brechas da lei. Há outros casos que beiram o crime, se não o forem, de fato.
PMT NA JUSTIÇA
No último dia 2 de setembro de 2022, a SERVFAZ, representada pelo escritório João Azêdo Sociedade de Advogados, pertencente ao marido de Daniela Cunha, ingressou na Justiça com um pedido urgente de liminar (Processo Nº 0841083-84.2022.8.18.0140) para garantir que a gestão de Doutor Pessoa realize pagamentos à empresa, mesmo sem a apresentação de documentos que comprovassem sua regularidade fiscal junto à Receita Federal.
No pedido de 831 folhas, a SERVFAZ admitiu que não possuía CND por conta de fatos imprevisíveis na atividade empresarial. E alegou que dali a duas semanas, no dia 14 de setembro de 2022, iria expirar a validade da Certidão Positiva de Débitos com Efeito de Negativa, a CPD-EN, que ela utilizava para firmar contratos e receber pagamentos. Por isso estava pedindo a liminar à Justiça.
Ao Política Dinâmica, a SERVFAZ não explicou com clareza quais foram os imprevistos, e definiu o pedido de liminar como um “impasse” motivado por “negociações tributárias”.
Acontece que já sabendo da situação fiscal prejudicada da SERVFAZ, conta uma fonte do Política Dinâmica na Prefeitura de Teresina, a gestão de Doutor Pessoa teria acelerado o processo de adesão que entregou um contrato milionário para aquela empresa.
O contrato foi publicado no Diário Oficial do Município exatamente no mesmo dia 14 de setembro de 2022, último dia de validade da certidão da SERVFAZ.
FORAM BUSCAR O TAL CONTRATO NO MARANHÃO
A Secretaria Municipal de Educação de Teresina, a SEMEC, para suprir a necessidade de 250 auxiliares de serviços gerais, "atravessou o rio Parnaíba" e foi buscar uma adesão a registro de preços da SERVFAZ junto à Secretaria de Educação do Estado do Maranhão. Nada de mais, não fosse um detalhe fundamental: o cargo de auxiliar de serviços gerais não existe lá.
Por meio de algum “malabarismo”, o posto de ASG foi preenchido por 185 serventes de limpeza sem insalubridade e outros 65 serventes de limpeza com insalubridade.
E a diferença entre os cargos não está só no nome. O preço é bem diferente também.
O contrato vencido da SEMEC pagava R$ 2.970,00 por posto, somando R$ 742.700,00 reais por mês. O novo contrato para, agora, R$ 3.655,99 por servente de limpeza sem insalubridade e R$ 4.549,31 por servente de limpeza com insalubridade. O valor mensal saltou para R$ 972.063,30. Uma diferença que, em um ano, chega a quase R$ 3 milhões de reais.
Em 5 anos de vigência que o contrato pode alcançar, serão gastos algo em torno de R$ 58 milhões de reais, quase R$ 15 milhões de reais a mais que o contrato anterior.
E a Prefeitura de Teresina não viu necessidade de fazer uma licitação?
FONTES APONTAM INTERFERÊNCIA POLÍTICA
Aqui vai outro detalhe: em quase dois anos, a PMT não finalizou uma licitação inteira de mão de obra terceirizada, mas em menos de dois meses, iniciou e finalizou essa adesão milionária com a SERVFAZ.
O processo teve início no dia 20 de julho de 2022 e o contrato já estava assinado no dia 6 de setembro de 2022. Coincidência ou não, exatamente no período em que as atenções públicas estão voltadas às eleições, embora a própria SEMEC já soubesse, desde sempre, a data em que o contrato antigo iria expirar.
Originalmente, o contrato tinha vigência até 15 de agosto de 2021, ou seja, ao assumir a Prefeitura, Doutor Pessoa tinha 8 longos meses para realizar essa licitação. Não fez. Ao invés disso, esticou o contrato por mais um ano, até o dia 15 de agosto de 2022. E poucos dias antes de expirar a vigência do contrato, veio o contorcionismo administrativo para aderir à ata de preços do Estado do Maranhão.
Segundo a fonte do PD dentro na Prefeitura, a secretária imediata do Gabinete do Prefeito, Andréia Nádia Pessoa, teria orientado que o processo fosse colocado sob sigilo dentro do Sistema Eletrônico de Informações, o SEI. O objetivo seria firmar o contrato de maneira rápida, sem acesso público, para manter um suposto acordo político do prefeito.
Outra fonte do PD, que faz parte do quadro de servidores efetivos do Tribunal de Contas do Estado do Piauí, acredita que a interferência política existe quando o assunto por lá é a SERVFAZ. De acordo com a fonte, “o campo técnico do TCE tem extrema dificuldade para convencer os conselheiros” sobre reiteradas manobras administrativas envolvendo contratos da SERVFAZ, sejam eles firmados com o Governo do Estado do Piauí ou com a Prefeitura Municipal de Teresina.
“É como se uma força política agisse em prol da empresa, todos sabem, mas ninguém fala isso em voz alta. Todos sabemos”, desconfia a fonte, ao comentar que a PMT teve tempo de sobra para realizar licitação direta, mas escolheu um caminho que ficou mais caro para a população e, visivelmente, foi direcionada. “Tá compensando fazer a coisa errada no Piauí. É desanimador”, lamenta a fonte.
Outra informação obtida pelo Política Dinâmica junto a fonte do TCE-PI é a de que seria de conhecimento dos conselheiros, também, que a SERVFAZ teria, hoje, dívidas que superam os R$ 140 milhões de reais.
Questionada pelo PD sobre esse volume de dívidas, a SERVFAZ se limitou a responder, apenas, que “não possui débitos ativos”, sem negar que as dívidas existam em seu balanço contábil.
“O rombo pode ter sido parcelado, então não consta como ‘dívida ativa’, mas está lá. É o tipo de situação delicada que um governo, municipal, estadual ou federal deveria levar em conta antes de estabelecer contratos emergenciais ou antes de renovar contratos. Imagine que esses contratos de mão de obra são para áreas sensíveis da gestão, como Saúde e Educação. A potencial repercussão negativa sobre a prestação de serviços à população em caso de uma empresa quebrar é gigantesca”, advertiu o técnico especialista.
E ESSAS IMPROBIDADES AQUI?
Na última quarta-feira, 29 de setembro de 2022, a SERVFAZ conseguiu outra vez uma Certidão Positiva de Débitos com Efeito de Negativa. Porém, no intervalo de duas semanas entre os dias 15 e 28 de setembro de 2022, a empresa não tinha documentação para receber pagamentos da Prefeitura ou estabelecer com ela novos contratos, renovações ou adesões.
Mas recebeu um bom dinheiro. Até recursos federais caíram e sua conta, ainda que não estivesse em dia com a própria Receita Federal.
Que outras empresas teriam essa facilidade de receber dinheiro sem a documentação necessária para isso, não se sabe. Mas de acordo com o portal da transparência da própria PMT, Doutor Pessoa pagou R$ 6.103.066,32 (seis milhões, cento e três mil, sessenta e seis reais e trinta e dois centavos) à SERVFAZ sem a certidão negativa de débitos.
Os recursos foram pagos por meio das Superintendências de Ações Administrativas Descentralizadas Norte e Centro (SAAD/Norte e SAAD/Centro), da Agência Municipal de Regulação de Serviços Públicos de Teresina (ARSETE) e da FMS. E certamente os ordenadores de despesa desses órgãos deverão dar alguma boa justificativa sobre os pagamentos feitos à SERVFAZ nesse período para escapar da acusação de improbidade administrativa.
Questionada pelo Política Dinâmica sobre a relação da gestão de Doutor Pessoa com a SERVFAZ, a PMT não se manifestou até o momento.
Mas uma hora vai ter que vir a público explicar.
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