Jornalismo declaratório é aquele em que o deputado é acusado de estar metido no escândalo de roubo do dinheiro público. O editor ao tomar conhecimento da informação chama logo o seu principal repórter e lhe confia a complicada missão. Tem que entrevistar o distinto parlamentar. Distinto?! Mas, espera um pouco, como assim?! O cara é acusado de embolsar milhões... Como assim, distinto?!... A pauta deveria ser: reunir documentos com autoridades policiais, buscar representantes do Ministério Público, talvez até do Judiciário (pode ser que alguém da Justiça queira falar – quem sabe...) para, só então, de posse de tudo isso confrontar o dito cujo.
Então o jornalista sentaria diante dele, ligaria o gravador e começaria a entrevista perguntando o que ele tinha a dizer sobre o assunto. Como é que o senhor se posiciona sobre a acusação de ter embolsado o dinheiro da obra de duplicação da rodovia tal? Como assim?, responde o indignado deputado, é claro que isso é mentira, intriga da oposição, eu nunca meti a mão em dinheiro público, tenho formação cristã, meus pais me fizeram temente a Deus, minha santa mãezinha, o povo acima de tudo... enfim, todas essa baboseiras de sempre. Diante disso o entrevistador lhe apresentaria a transcrição de uma conversa telefônica em que ele (deputado) acerta o recebimento com o empreiteiro corruptor... está na página 62 do documento.
Isso é armação, insisto, afirma novamente o indignado. Mas, deputado, aqui está a perícia da gravação, a voz é sua, de acordo com três peritos, um dos quais formado em Harvard, não resta nenhuma dúvida, a voz é sua mesmo, o senhor falou, sim, com o tal empreiteiro neste dia e nesta hora conforme a gravação, confere? Tudo bem, você venceu... falei, falei, sim... passe para a próxima pergunta, eu confesso, mas e daí?, vou contratar um bom advogado e a gente derruba isso aí na Justiça... não tem nada demais, nada demais, pode crer. O repórter prossegue: é verdade que o senhor tentou corromper o delegado que o interrogou?
Como assim?! É claro que isso é uma grande mentira. Uma acusação leviana. Não procede, de modo algum – ele fala exaltado, colérico. Deputado, o senhor, por favor... Não procede, insisto. Deputado, aqui está gravação, o delegado estava gravando a conversa, novamente o áudio foi periciado, há também um vídeo, que foi...; ...periciado, sei, sei, passou por três peritos, um dos malditos é formado em Harvard, nem sei se essa droga de universidade ou coisa que o valha (é isso mesmo?) tem esse tipo de coisa, tudo bem, confesso, propus mesmo, tentei colocar 20 mil dólares na mão do desgraçado, mas ele quase que me deixa preso lá mesmo e só não me deixou porque fiz com ele aquele acordo. Que acordo?!! Aquele...
Corta rápido. Volta para a sala refrigerada do editor. Não é nada disso que ele quer. Pelo contrário. Faça uma ou duas perguntas - orienta. Deixa o homem a vontade para responder. Não interfira. Apenas pergunte, deixa ele responder, depois volte para a redação, transcreva, faça uma matéria principal com 2.100 caracteres e uma retranca com 1.750 caracteres. Tudo bem para você? Claro que sim, doutor... A propósito, pergunta o editor antes do repórter sair correndo para fazer a sua matéria declaratória, que diabo de acordo era aquele mesmo? Ah, doutor, era o tal do acordo de delação premiada. Humm...
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