Em um país com quase 12 milhões de analfabetos, não é preciso muito esforço para se perceber que a educação não é prioridade do Poder Público. Nos lugares mais distantes, estudar ainda é uma tarefa difícil, mesmo em pleno século XXI. No Piauí, essa tem sido a realidade em diversos municípios onde crianças e adolescentes sofrem com a falta de transporte escolar nas redes municipal e estadual. Um descaso que coloca em risco o futuro de uma geração e põe em xeque o desenvolvimento de um Estado.
O Política Dinâmica percorreu mais de 600 km e foi até o município de Dom Inocêncio, no semiárido piauiense. Por incrível que pareça, a região já foi considerada modelo de educação para o país nas últimas décadas do século XX, quando o Padre Manuel Lira Parente, através da Fundação Ruralista, implantou escolas no meio da caatinga e levou educação de qualidade aos filhos de todos os rurícolas da região. Hoje, a realidade é outra.
Sem transporte escolar, muitos estudantes das redes municipal e estadual ainda não haviam frequentado a escola até a última segunda-feira, dia 14 de maio. Em uma das rotas visitadas pela reportagem, os pais estavam indignados com a situação. Na localidade Sítio do Meio, a cerca de 20 km da zona urbana, os três filhos da dona de casa Marisa dos Santos não tiveram a oportunidade de estudar em 2018. O ônibus que nunca apareceu na localidade levaria os meninos para a escola municipal de Angical, distante uns 10 km dali.
“Meus filhos estão aqui parados, sem estudar, por causa do transporte escolar que até hoje não chegou até aqui. Eu, como mãe, sinto meus filhos perdidos de ficarem o ano inteiro sem estudar. Eu sou fraca de condições, não tenho condições de levar os meus filhos na escola porque é longe. Se eu tivesse condições, eu não ocuparia eles [prefeitura] para ter transporte, pois eu mesmo dava providência de levar. Mas como eu não tenho, eu fico cobrando o tempo todo”, falou.
Na localidade Caldeirão, a pequena Geane, de apenas 7 anos, ainda não tinha sentido o gostinho de ir à escola até o dia 14 de maio. A mãe da menina, Raimunda Vieira de Assis, não se conforma com a situação. “Eles dizem que o carro vem, ficam só prometendo e não cumprem. No ano passado o carro passava cedinho, mas até agora nada. Já liguei para o secretário [de educação] e para o vice-prefeito, mas ele também promete e não cumpre”, relatou.
No vilarejo Moreira, distante 66 km da zona urbana, o descaso é tanto na rede municipal quanto na estadual. Os alunos do Ensino Médio que deveriam ser transportados para a escola do povoado Salgado, a 24 km dali, também não tinham ido à escola até 14 de maio. Moreira é uma das localidades mais distantes do município e os pais de alunos não se conformam com a forma como os estudantes do lugarejo têm sido tratados.
Além de Moreira, o governo estadual também deixou sem transporte alunos das comunidades Santa Rita e Lagoa das Pedras, que deveriam ser levados para o povoado Salgado. De acordo com um professor que preferiu não ter o nome revelado por medo de represálias, a rota que atende essas últimas duas comunidades rodou pouquíssimo desde o ano passado e teve aluno que chegou a perder o ano letivo por conta da situação.
A prefeitura de Dom Inocêncio, por meio da Secretaria Municipal de Educação, informou que um ônibus começou a fazer a rota nas localidades visitadas pela reportagem. O serviço foi retomado em 15 de maio, um dia após o Política Dinâmica gravar com os moradores da região. No entanto, a administração municipal não disse o porquê da demora para que os alunos fossem atendidos em 2018.
Já a Secretaria de Estado da Educação (Seduc) informou que todos os pagamentos do transporte escolar dos meses iniciais de 2018 estão devidamente pagos e que os dias trabalhados em novembro e dezembro de 2017 estão sendo negociados com as empresas que prestam o serviço. Quanto ao município de Dom Inocêncio, a Seduc alegou que devido a um problema com um veículo, uma das rotas ficou totalmente sem funcionar, mas que a situação já está sendo resolvida.
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